A massa desordenada na rua não é governável
- Carlos Castro
- 19 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de jul.
Para além de “todo o carnaval ter seu fim”, parece que há coisas do carnaval que só conseguem nos chegar depois.
Nesse sábado de carnaval, fui em direção ao mesmo lugar que ia todos os anos. Não sou grande fã dos desfiles das escolas de samba, mesmo sabendo da sua importância na história do carnaval.
Gosto de carnaval não-linear, algo mais próximo de bloquinhos de rua, mas mais desorganizado. Povo na rua, uma massa desordenada de povo na rua. De gente parada em lugares que geralmente passa sem perceber, de encontros e desencontros e de todos os espetáculos possíveis da falta de comunicação.
Houve uma época em que defendia que o carnaval se vivia na cidade na qual se morava. Carnaval é uma experiencia não ordenada com a cidade e com as pessoas que estão nela. E com essa intenção me direcionei para aquele lugar.
A rua tinha gente, mas não se comparava com quantidade de espaço vazio. Onde antes havia carros de som, que proporcionavam a sensação de um se perder no outro, agora havia barraquinhas de ambulantes — eles também foram pegos de surpresa. Não sei se foi impressão minha, mas senti que os outros estavam com o mesmo desconforto com aquele vazio.
Ali, pelos meus 30 minutos no lugar, passou um ônibus. Foi obsceno. No meio de uma muvuca de carnaval não é prudente passar um ônibus. Nos carnavais passados, não era imaginado passar um ônibus lá. Mas nesse foi. Como se a lógica da cidade dissesse: “vou continuar, vou continuar mesmo no sábado de carnaval onde antes não passava, hoje, com a minha rotina vou passar”. E passou.
Ontem, lembrei de um seminário de Foucault que depois virou livro, Segurança, território e população. Uma das teses do autor — que por sinal, deveria gostar muito de carnaval de rua — é que o ato de governar na modernidade passa pela via da circulação dos corpos. Na idade media, o governante exercia o seu governo pelo território, era dono do castelo e do feudo. Hoje o governante governa a circulação dos corpos e da mercadoria, ele faz circular — assim como faz viver e deixa morrer — as pessoas tem que circular, o ônibus tem que circular.
A massa desordenada na rua não é governável. A massa desordenada na rua não produz mercadoria. E não é atoa que discursos como “imagina essa gente toda trabalhado” aparecem com força no carnaval ao mostrar os foliões felizes. A desordem, o caos incomoda. Nos coloca diante da nossas contradição e nos faz refletir sobre o que estamos fazendo, e se o nosso desejo realmente está lá.
Me senti um conservador quando no meio do carnaval me lembrei que naquele lugar não passava ônibus. Queria conservar aquilo da forma que estava. Me soou engraçado querer ser conservador. Mas é isso, o movimento de querer conservar algo, de manter, de resistir nos foi destituído. Walter Benjamim, já dizia na sua Tese XVII das Teses sobre o Conceito de História “A revolução é a ativação do freio de emergência” diante o avança progressivo da história.
E no carnaval de rua tem coisas que eu quero conservar. Nesse ano não foi possível manter o lugar, mas a alegria, os encontros e desencontros, as contradições e conflitos, as mudanças aconteceram, e, por sorte a Quarta-Feira de cinza não foi fácil, pois o carnaval foi incrível.


