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Legendários: a masculinidade contemporânea entre o espelho e a falta

  • Foto do escritor: Carlos Castro
    Carlos Castro
  • 19 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 31 de jul.

Nos últimos anos, temos testemunhado a emergência de uma série de movimentos que se propõem a (re)definir o lugar do homem na contemporaneidade. Dentre eles, ganha destaque recente o movimento dos Legendários, que, em sua apresentação, afirma colocar o homem "diante de um espelho" — uma

imagem que evoca imediatamente o campo especular tal como formulado por Jacques Lacan. Mais do que um fenômeno isolado, os Legendários se inserem em uma cadeia discursiva que inclui o universo redpill, as comunidades incel, o ideal do "homem provedor" e demais formas de dar um lugar para a angústia de ser homem na contemporaneidade.


A metáfora do espelho evocada pelos Legendários ressoa com a teoria do Estádio do Espelho de Lacan. Ali, o sujeito constitui-se por meio de uma imagem idealizada de si mesmo, alienada, capturada pelo olhar do outro. Ao afirmar que "na montanha o homem é posto diante de um espelho", o movimento toca, talvez inadvertidamente, na estrutura fundamental do eu: uma montagem imaginária que tenta suturar a falta.


No entanto, diferentemente da aposta psicanalítica — que visa sustentar a divisão subjetiva e a não completude — os Legendários operam no campo do fazer como: como ser homem, como se portar, como performar um ideal masculino.


Diante do reflexo do espelho, a aposta da psicanálise é o "fazer com". O "como" evoca uma imitação, um ideal a ser encarnado, um espelho no qual o sujeito tenta se reconhecer. Já o "com" implica uma travessia. Não se trata de ocupar um lugar pré-estabelecido, mas de lidar com aquilo que se tem — ou que falta. O "o" retirado de "como" não é à toa: ele marca a desinência nominal do gênero masculino. A substituição do "como" pelo "com" sugere, portanto, uma mudança na posição subjetiva diante do masculino.


O movimento da psicanálise não passa por um ideal de homem espelhado, mas por uma posição que lide com a própria falta. No entanto, esse "fazer com" se torna cada vez mais difícil numa sociedade saturada de imagens. A tela preta dos dispositivos nos devolve um reflexo na sombra, e, quando brilha, tenta nos dizer quem somos.


O identitarismo aponta para um fenômeno no qual o sujeito tenta recobrir sua angústia estrutural por meio de identificações fixas. Nesse sentido, o identitarismo não é apenas um fenômeno da esquerda ou da direita política, mas uma resposta generalizada à crise do simbólico.


Os Legendários, com sua retórica de superação, disciplina e masculinidade essencializada, podem ser compreendidos como uma resposta identitarista à falta constitutiva do sujeito. Ao oferecer uma imagem de "homem verdadeiro", o movimento tenta estabilizar uma posição subjetiva em meio à fluidez e à incerteza do contemporâneo.


Frente a esse cenário, a psicanálise oferece uma aposta distinta: o "fazer com". Não se trata de mimetizar um ideal masculino, mas de sustentar a falta, trabalhar com o que se tem, com as marcas do inconsciente e os restos do desejo.


O "fazer com", em contraste com o "fazer como", implica uma posição ética frente à própria castração. Em um mundo saturado por espelhos — de carne, de tela, de algoritmo —, a psicanálise propõe desligar-se da lógica especular e escutar o que escapa à imagem.


Legendários montanha
Uma montanha

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