Welcome - Cinema e Psicanálise
- Carlos Castro
- 23 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de out.
Cenas que se repetem… e seguem em frente - Resenha do filme Welcome
Ali pelos 30 minutos de filme, percebi que Bilal não iria conseguir concluir sua epopeia a nado. A imagem do nosso, talvez, protagonista olhando para o outro lado do Canal da Mancha, por detrás de um muro vazado, já entregava algo. Foi tomado por uma familiaridade, e percebi que já tinha visto esse enredo em outro lugar. O cinema, volta e meia, tem desses filmes em que a missão já está fadada ao fracasso, e a história se trata disso. Talvez essa forma de contar seja algo da escola francesa de cinema, não sei. Mas gosto da previsibilidade dos filmes dos Vingadores, e, quando eles perdem, penso: “isso que é cinema”.

Mas a familiaridade não vem daí. Não é da escola de cinema francesa, ou algo do tipo. Percebi que escuto isso todas as semanas. Dessas demandas de travessias de coisas que não querem dizer delas mesmas. E, por isso, assim como o Canal da Mancha de Bilal, não serão atravessadas. Ou melhor: para que um atravessamento aconteça, é preciso que ele independa de outras travessias imaginárias acontecerem. Contudo, é por meio dessas travessias imaginárias que laços se criam, assim como o de Bilal e Simon.
Apresentação do significante
Há um significante em Bilal — talvez até marcado em sua mão — que, em Simon, faz ele se identificar, na tentativa assim de saturar uma falta inscrita no tempo. Bilal está separado de Mina, e Simon está separando-se de Marion. A travessia de Bilal não se trata do Canal, está separado. A de Simon sim. Na cena da separação com Marion, era necessário a travessia da rua, Simon não o fez. E assim, tenta corrigir esse tempo no Outro, na cena de Bilal, na sua travessia, para que de alguma forma possa ser a dele. Travessia, portanto, torna-se um significante entre dois sujeito, sustentadora de um laço imaginário. Só que o ato exige um algo que o cause, um “a”. Atravessamento. E Simon está alienado no significante de Bilal. Simon está separando-se.
O desejo de Bilal
Que lugar a travessia ocupa na história de Bilal?

Nosso talvez, protagonista atravessa o Canal da Mancha sem ter o endereço de Mina. O ato de Bilal não se trata, portanto, de atravessá-lo nem de encontrá-la. Mas é na literalidade desse ato que uma cena se repete — vista na circularidade da demanda presente no trauma da Guerra, na ilegalidade que marca o seu corpo estrangeiro, e no breve descanso de um lar temporário. Todas essas cenas em que o objeto imaginário de seu desejo tem a possibilidade de se entumecer.
Bilal, diante o horizonte inglês, e a possibilidade de mais uma volta — nos dois sentidos que a palavra volta, nesse contexto carrega — talvez tenha percebido que o objeto do desejo não se encontra na realidade do encontro e sim nos restos das tentativas. Uma resposta talvez letal para ele, e a única escolha possível esteja entre a “liberdade ou a morte”.

Para alguns sujeitos, a impossibilidade de satisfazer o seu desejo em objetos imaginários é tão brutal pela circunstancia, que a única forma de satisfazer a pulsão é a morte.
A travessia de Simon
Para Simon, Bilal torna-se o portador do falo imaginário – aquele que supostamente possui o que falta a Simon. Simon supõe que Bilal sabe algo sobre o amor, obre o ato de atravessar, sobre como sustentar o desejo diante da falta. Assim, Simon se aliena no significante de Bilal, tentando, pelo Outro, realizar aquilo que não conseguiu concretizar em sua própria vida.

Simon, só consegue se libertar dessa alienação quando compreende que a travessia de Bilal não se trata simplesmente de atravessar o Canal ou reencontrar Mina, mas de um ato que expressa um desejo que não se fecha em si mesmo — um desejo que é aprendido pelo sujeito justamente naquilo que não cola, naquilo que não se completa, e que está para além do significante. Só então Simon pode entregar a Marion o anel, se amputando dele.
A letra
Na psicanálise o desejo implica uma perda, no cinema podemos usar o filme Welcome como metáfora, metáfora essa de uma perda que se expressa até na escrita: ou a perda da perna do M se transformando em N de Simon, ou a morte do L de Bilal, que ao se repetir é Bilal que cai.

